Foral manuelino de Ponte de Lima



Outorgado há quinhentos anos, o foral manuelino de Ponte de Lima foi cronologicamente o primeiro de todo o Entre-Douro-e-Minho. Associamo-nos à comemoração da efeméride com a publicação de um estudo apropriado, que se inicia com a abordagem geral da temática relativa aos forais em geral e aos forais manuelinos em especial e depois irá descer a uma análise mais detalhada, incluindo a transcrição e a reprodução fotográfica do original.

I - Introdução


Nenhum local.

Na sua maior parte, os municípios portugueses foram criados, na Idade Média, através da outorga de um documento, de início referido genericamente como uma carta , do mesmo modo que todos os outros documentos da época, mas, a partir das últimas décadas do século XIII, designado como foral .

O foral era o documento em que se reconhecia a existência de uma comunidade instalada numa determinado área geográfica, se definia o território que lhe ficava a pertencer, concedendo-lhe um certo grau de autonomia e definindo as regras fundamentais que deviam ser observadas na gestão dos interesses comuns e nas relações dos seus membros quer entre si, quer com os outros indivíduos que viviam fora do termo do concelho, quer com a mais alta autoridade, na maior parte dos casos o Rei, de que estavam dependentes.

Em muitas circunstâncias, era a outorga do foral que desencadeava os mecanismos que levavam à organização da nova comunidade; noutras, o foral apresentava-se como uma concessão unilateral ou como um pacto bilateral, através do qual uma comunidade já existente via oficialmente reconhecido o seu estatuto; o foral tinha, por vezes, a natureza de documento clarificador e definidor das obrigações e dos direitos ou, como na época se dizia, dos privilégios.

Os objectivos imediatos dos forais, eram os de fixar moradores e de incrementar o aparecimento de novos aglomerados habitacionais, promover o arroteamento e o cultivo das terras, criar estruturas de apoio aos viandantes, no cruzamentos dos principais eixos viários, disponibilizar meios de protecção civil e política aos homens livres de modestos recursos económicos e contrabalançar os poderes senhoriais, de modo a moderar o seu crescimento excessivo e a evitar aglutinação dos mais fracos pelos mais fortes. A fundação dos municípios foi um acontecimento importante para a defesa das liberdades e direitos dos homens livres, de modestos ou médios recursos económicos, contra as prepotências dos grandes.

Para além desses objectivos imediatos, que se alcançavam com a outorga dos forais e a consequente fundação de novos municípios, outros objectivos de fundo se atingiam, designadamente o desenvolvimento económico e social do país, no seu conjunto, a defesa e a consolidação das fronteiras, tendo especialmente em vista os perigos externos, e, nos primeiros tempos, até a expansão territorial, assim como o equilíbrio entre as várias forças e poderes que se defrontavam na sociedade. A criação de uma teia de municípios, repartidos, de norte a sul, por todo o território, com os respectivos centros urbanos, as feiras periódicas e uma rede viária correspondente às necessidades da época, proporcionou a crescente animação da economia, estimulou a criação de excedentes, a multiplicação das trocas e a circulação de pessoas e bens, contribuindo ao mesmo tempo para despertar e cimentar a consciência da unidade na diversidade, que é a base do sentimento nacional.

A quando da outorga de um novo foral, o conhecimento de outras cartas anteriormente elaboradas, de que tinham sido destinatárias as comunidades próximas daquela de que agora se tratava, permitiu que se reproduzissem muitas das disposições nelas contidas, por se considerarem adequadas a traduzir aquilo que se pretendia, por corresponderem a necessidades e a pressupostos comuns. Na grande maioria dos casos, mais do que à reprodução isolada de cláusulas e de preceitos concretos, recorreu-se à reprodução de todo um texto paradigmático, sem alterações ou apenas com ligeiros ajustamentos, por se entender ser esse o esse o meio mais indicado para responder a situações comuns aos povos de uma determinada área geográfica ou de áreas geográficas dotadas de uma certa afinidade. Nasceram assim as diversas famílias de forais, que, além do conteúdo, como é lógico, tiveram de comum o facto de se expandirem em territórios confinantes.

As condições naturais e as circunstâncias históricas produziram entre várias comunidades uma afinidade que ultrapassou as meras relações de proximidade e vizinhança. A maioria dos forais outorgados do século XII até ao século XIX reporta-se, de facto, expressamente a um dos paradigmas que se foram elaborando ao longo do século XII, embora muitas vezes não citado nem reproduzido à letra. É possível encontrar uma relação de parentesco entre uma grande parte dos municípios que se distribuem pela área mais ocidental, entre o Minho e o Vouga e, de igual modo, entre os municípios localizados nas margens do Mondego e dos seus afluentes; os forais de Trás-os-Montes denotam muitas semelhanças, que lhe advêm das tradições comuns e da antiga relação entre os nossos espaços fronteiriços e os de Zamora. Mais a sul, um paradigma comum, com a sua mais antiga expressão em Numão, consolidou a afinidade existente entre os municípios da Beira Alta, assim como entre os do Douro superior, que, não em razão da geografia espacial mas de idêntica situação periférica, se prolongaria ao Minho setentrional e ainda a Aguiar de Pena. Nascidos no duro ambiente da reconquista, os municípios da Beira Baixa e de uma boa parte do Alentejo adoptariam um modelo de organização específico, relacionado com a proximidade, em que inicialmente estavam, da frente de combate. O foral de 1179 – na sua origem destinado às cidades de Coimbra, Lisboa e Santarém – representa o último termo de uma evolução, recolhendo e fundindo elementos da tradição coimbrã com outros do litoral nortenho e das áreas interiores da Beira Alta, sem excluir os contributos do paradigma de Évora.

Os forais manuelinos.

Encerrado o primeiro quartel do século XIV, afroixou a dinâmica que conduziu à criação de um número impressionante de municípios, ao longo de todo o território português. A diversidade que se traduzia nos vários modelos e correspondia a determinadas áreas geográficas começou a esbater-se, perante uma legislação que se aplicava a todo o território por igual, sem ter em conta o passado das várias comunidades e as suas especificidades locais, assim como os meios concretos de atingir objectivos tão importantes como a defesa, o povoamento e o desenvolvimento de algumas terras mais pobres. Esse panorama agravou-se com a progressiva intromissão dos funcionários régios nos assuntos da governação local.

Os municípios sentiam-se cada vez mais coarctados na sua autonomia com a actuação dos corregedores enviados pelo governo central e com a nomeação dos juízes de fora . A missão inicialmente apontada aos corregedores era a de tornar mais eficiente a justiça e a administração pública, corrigindo os erros, suprindo a ineficácia dos juízes locais, dos membros dos órgãos concelhios e dos funcionários municipais, embora os povos acabem por se queixar também da sua prepotência e das suas exorbitâncias. A criação dos “vedores”e logo dos “vereadores”, nomeados pelo corregedor, que se reuniam em lugar vedado ao público para tomar decisões acerca do que lhes parecesse mais conveniente para o governo dos concelhos, como determinava a lei que veio a ser integrada na versão de 1349 do Regimento dos Corregedores , representou a maior subversão imaginável do espírito inicial dos municípios.

Com o evoluir dos tempo, a publicação de legislação geral destinada a ser aplicada por igual a todo o país, a difusão gradual do estudo do direito romano e actuação dos funcionários enviados pela Coroa, muitas cláusulas dos forais, destinadas a orientar a governação local, quando não existiam ainda outras leis, ficaram ultrapassadas e algumas até se tornaram obsoletas. A própria evolução linguística, com o olvido do latim tabeliónico em que os forais tinham sido escritos e a carência da sua tradução em língua vulgar, tornou as suas disposições ininteligíveis para quem desejasse recorrer a eles com o objectivo de impor deveres ou de reivindicar direitos.

Depois da publicação dos códigos de leis designados como Ordenações , os forais perderiam a sua força como normas de comportamento, mantendo-se em valor apenas as cláusulas fiscais neles contidas, mas até neste aspecto se revelariam insuficientes.

Entre os poderosos muitos se aproveitaram da situação para exercerem prepotências e cometer os mais diversos abusos, de que os povos, através dos seus procuradores, se iriam queixar insistentemente em Cortes. Nas de Santarém de 1331, as reclamações iam principalmente contra os funcionários régios que não respeitavam as disposições contidas nas cartas de foral, mas, um século depois, nas de 1430, reunidas na mesma cidade, já era principalmente contra os nobres que se dirigiam as queixas dos povos. Logo a seguir, nas de Leiria-Santarém, de 1433, os procuradores denunciavam abertamente os desrespeitos pelas cartas de foral e as interpretações fraudulentas que delas faziam aqueles a quem as terras tinham sido concedidas em senhorio, que se arrogavam direitos e cobravam tributos que delas não constavam ou em valores acima dos que estavam fixados, e pediam uma ordenação que definisse os respectivos montantes.

Os desmandos dos nobres voltaram a ser verberados nas Cortes que se seguiram. Em 1455, nas que tiveram lugar em Lisboa, os procuradores solicitaram ao monarca que regulasse o uso dos pesos e medidas tradicionais, para evitar os abusos que nesse âmbito se cometiam. Mas é nas Cortes de Coimbra-Évora, de 1472-1473, que pela primeira vez se reclama publicamente a necessidade de reformar os forais, uma vez que os antigos documentos se achavam gastos ou mesmo rotos e adulterados, carecendo de autenticação, e eram indevidamente interpretados, pelo que necessitavam de ser revistos e corrigidos: “Outro si, Senhor, os Foraes de cada Luguar, per onde se mais rege, e guoverna voso Reinno, estes são oje em dia, e assy todos, ou moor parte falseficados, antrelinhados, rotos, não autorisados, e os tirão do seu proprio entender, nem são interpretado a uso, e costume d'ora, nem são conforme a alguus artigguos, e Ordenaçoens vosas, homde se portagem deve paguar, salvo de emtrada, ou saida, a levão já geralmente de passada, homde amde levar huum real de carregua levam quinze, porque, jaa de toda carregua fazem carregua liada; muitos erros, e per muitas maneiras erram nesses Foraes, são mostrados outros trelados falseficados, e os que taaes de mercê de vos hão mandan’as tirar como querem, e honde ha não haja, fazem de novo. Senhor, seja Vossa mercê reformardes ora de novo todos vossos Reinnos, e examinardes, e exterpardes as bulrras, e enganos de taaes Foraes, per esta guisa, Senhor, mandarees vir todos os Foraaes de vosso Reinno, que huum não fique, posto que diguão os de alguum Luguar que não se aggravao, ou não querem sobre ello requerer”.

Em resposta a estas reclamações dos concelhos, tomou El-Rei as primeiras medidas conducentes à reforma dos forais, ordenando:
- a recolha de todos os forais, mesmo daqueles cujos detentores afirmam que não padecem de qualquer falsificação, vício ou ambiguidade;
- a comparação desses forais com os originais existentes na Torre do Tombo, supervisionada pelo Juiz dos Feitos de El-Rei;
- em resultado desse exame, a elaboração de novos forais, expurgados de todos os acrescentos espúrios e deturpações, de modo a dissipar as dúvidas e a evitar os agravos que se fazem ao povo.

A recolha iniciou-se pela comarca de Entre-Tejo-e-Odiana, cujos forais deveriam ser remetidos ao Juiz dos Feitos de El-Rei desde Janeiro até Outubro de 1473. O processo decorreria com alguma lentidão, de modo que, em 1477, nas Cortes de Montemor-o-Novo, renovavam-se as queixas contra diversos abusos e ordenava-se “que sejam respeitadas as posses, usos e costumes das cidades, vilas e lugares, na sua forma tradicional”.

Nas Cortes de Évora-Viana de 1481-1482, reinando já D. João II, o problema voltava a ser colocado. Em dois capítulos dessas cortes, referiam-se os abusos cometidos pelos alcaides-mores dos castelos fronteiriços e solicitava-se ao Rei que lhes exigisse o envio dos respectivos forais, para serem conferidos e actualizados, e que, assim revistos, fossem dados traslados às câmaras municipais. Em relação à cobrança das portagens, pedia-se mais à frente “que o Rei mande recolher à Corte todos os privilégios, excepções, liberdades, tombos, doações e todas as outras escrituras por virtude das quais se arrecadam portagens pelo reino; que, vistas essas escrituras, se determine quem, quando e em que lugares se deve pagar” e que se façam novas escrituras, actualizadas no que toca à equivalência da moeda, das quais sejam postos traslados nas câmaras municipais, para se debelarem dúvidas quanto a eventuais falsificações.

Em resposta a esses capítulos, D. João II expedia, ainda de Évora, uma carta circular, datada de 15 de Dezembro de 1481, destinada a acelerar o processo da reforma, cujo teor fornecia uma expressiva panorâmica da situação com que os povos se defrontavam, e nela ordenava com veemência a colaboração de todos os interessados: “E por quanto somos enformados que nos Foraes que as dictas Cidades, Villas e Lugares tem, per que se nossos Direitos recadom, asy os officiaaes, que em nosso nome dello tem carrego, como isso mesmo aquelles que por Mercees ou Doaçoeens tem, husão delles em algua parte como nom devem, por nom serem entendidos e declarados segundo a declaraçom de direito, e ainda os sobredictos a estendem com decllaraçooens, que em seu favor lhes dam, que som em dapno e perjuiso do povoo; e porque nossa tençom he todo fazer justamente, que nenhum nom receba agravo e ao povvo nom seja feita injustiça; determynamos de os dictos Foraes seerem vistos, examynados pelos sobredictos per nos hordenados. Porem mandamos a todallas dictas Cidades, Villas e Lugares que Foraaes teverem, que os envyem a nossa Corte, des Janeiro de 483 atee o mês d’Outubro desse mesmo ano, e sejam entregues ao Juiz dos nossos Feitos, pera em o dicto tenpo seerem vistos e decllarados, como dicto he, e lhes seer mandado como delles bem direytamente husem, e se atee o dicto tempo a nom envyarem, por esta nossa Carta mandamos que mais nom husem delles, sem mostrarem nossa aprovaçom atee Janeyro seguinte em que acaba o dicto ano de 483. E asy mandamos que quaesquer pessoas que em alguuns lugares onde Foraaes nom há levam portagens, husajeens, costumageen, ou qualquer outro dereyto, que em o dicto tempo, em que mandamos vyr os dictos Foraaes, venham ou mandem a nossa Corte mostrar qualquer titollo e razom que teverem pera os assy averem de levar; e passando o dicto tempo sem averem sobre ello nossa determynaçom, mandamos a todallas nossas justiças que mais dhi endyante lhos nom consentam levar atee veerem nosso mandado; e fazendo elles o contrario, nos os castigaremos, como aquelles que nom cumprem o mandado do seu Rey e Senhor”.

No entanto, a reforma não avançava, entre outras razões, porque era uma obra ciclópica confiada a um único funcionário, o Juiz dos Feitos de El-Rei, e não havia a coragem de juntar o número suficiente de pessoas para a levar a bom termo. Quando D. Manuel subiu ao trono, em 25 de Outubro de 1495, ainda estava longe de se concretizar. Nas Cortes reunidas em Montemor-o-Novo, logo em 1495, os municípios, através dos seus procuradores, voltavam a insistir na necessidade de rever os forais como sendo uma medida fundamental, “por ser coisa em que recebiam grandes opressões e discórdias.

D. Manuel nomeou para o efeito uma comissão especial, constituída pelos doutor Rui Boto, Chancelar-Mor do Reino, doutor João Façanha, Desembargador, e Fernão de Pina, Cavaleiro da Casa Real, a qual devia ser permanentemente integrada por três membros, preenchendo-se a vaga logo que algum deles faltasse. Esta comissão já estava a funcionar em 14 de Maio de 1496, como consta de uma carta circular subscrita nessa data pelo Desembargador João Façanha.

Em carta de 22 de Novembro, cujo traslado, por ordem régia, os Contadores do reino deviam fazer chegar a todas as cidades, vilas e lugares das respectivas circunscrições, “de maneira que a todos venha logo em notícia, o que assi lhes mandamos que façam”, D. Manuel considerava que era imperativo “veer, confyrmar, limyar a a declarar os Forais todos destes reinos”, de forma a torná-los “de tal forma e estilo que se possão bem entender e cumprir”.

Gradualmente, conforme as necessidades, novos colaboradores foram agregados a esta comissão: em 1499, juntava-se-lhe o Licenciado Rui da Grã, os desembargadores de agravos Diogo Pinheiro e João Pires de Cubritares; em 1515, acrescentar-se-ia o doutor Brás Neto e o arcediago Afonso Madureira como suplentes, para facilitar a imediata substituição dos primeiros titulares, no caso de estes adoecerem ou se ausentarem, “desde que os despachos tivessem a assinatura do Chanceler-Mor e de Rui da Grã”. Em 1517, fazia parte da Comissão o doutor João de Faria,Madureira Afonso tornar-se-ia seu membro em 7 de Julho de 1519, e, por alvará de 17 de Janeiro de 1521, seriam nomeados para o Despacho dos Forais os doutores Luís Eanes, Juiz dos Feitos de El-Rei, João Cotrim, Brás Neto e Pero Jorge.

O processo de elaboração dos forais manuelinos.

As principais orientações seguidas na elaboração dos novos forais constam dos “Pareceres de Saragoça”, designação dada a um documento que contém as respostas que D. Manuel, quando se encontrava em Saragoça (onde nasceu o príncipe D. Miguel da Paz), em Abril de 1498, deu a um conjunto de dúvidas ou questões elaboradas pela Comissão, que lhe foram apresentadas por Rui de Pina, de cujo estudo o monarca encarregara o Regedor e os desembargadores das Casas da Suplicação e do Cível. Esses pareceres elucidam-nos acerca das semelhanças e das discrepâncias formais e de conteúdo que se podem observar entre os diversos modelos:

1.º A posse immemorial serve de titulo para os Direitos Reaes, aonde não houver Foral ou Escriptura authentica.
2.º Aonde houver a Escriptura authentica de Foral não se podem levar Direitos Reaes mais que os contheudos no Foral.
3.º A posse immemorial serve de titulo para levar Direitos Reaes alem do Foral, quando estes são semelhantes aos do Foral, por exemplo, na sevada, trigo e milho ou nas castanhas e nozes.
4.º O tempo immemorial faz prescrever o direito de pedir as cousas contheudas no Foral, quando não houver posse de pagar.
5.º Aquelles lugares, a que forão dados os Direitos Reaes por certa pensão e preço pelos Reis antecesores, devem arrecadar para si todas as Rendas e tributos que o Rei havia naquelles Lugares, ou devia haver ao tempo do Contracto naquelle Lugar, podendo declarar-se com mais alguma especialidade, conforme no Foral e Contracto for declarado.
6.º A posse, e costume de levar direitos, ou cousas não contheudas do Foral, não serve de titulo para se levarem, nem se devem pagar.
7.º Aonde não houver Foral se dará Foral de Portagem, a saber: os Lugares da Estremadura haverão a Portagem do foral de Santarem, e nos mais Lugares que tiverem Foral, neste se lançará a dita Portagem, quando nelle não estivesse posta.
8.º Nos Lugares entre Tejo e Odiana que não tiverem Foral, se lhes dará o Foral de Évora.
9.º Nos logares das Comarcas da Beira, Trás-os-Montes, Entre Douro e Minho, que não tiverem Foral, se lhes dará o Foral d’Évora, aonde não houver Foral de Castella, ou outro que declare a Portagem que se deve.
10.º Não ha Portagem na Villa e seu termo, para os moradores visinhos ou não visinhos, no que comprarem ou trouxerem para a Villa ou Termo.
11.º Não se levará o Direito de Passagem, quando o Foral ou Sentença faltar; e havendo Foral ou Sentença, não se levará nos Portos do mar ou na passagem para Castella, salvo a Dizima, que devem pagar os privilegiados de Portagem.
12.º A Pena de Sangue se regulará pelas Ordenações do Reino e Foral de Santarem.
13.º Pelo Direito de Voz e Coima se entenderá o direito do Mordomado, Portagem e Tafularia, havendo costume por tempo immemorial.
14.º O Direito de Anadeia ou Almocrevaria se regulará pelo Foral de Santarem, salvo se outro preço for limitado em algum logar.
15.º As Luctuosas se devem levar pelos Foraes ou pelas Inquirições que houver ou por costume immemorial.
16.º As Sentenças dadas sobre os Foraes, servirão de Lei geral para outras cousas similhantes; servindo tambem para mesmo os Foraes de Lisboa e Santarem.
17.º Naqueles logares em que for posta por Foral a obrigação de levar os foros de pão e vinho ao celleiro, ou costume por escripto, assim se observará, com tanto que não seja o celleiro fora do Concelho.
18.º As Jugadas de pão se devem entender pelo Jugo de dois bois, salvo a composição, costume ou privilegio em contrario.
19.º Será da escolha do povo pagar o que diz o Foral, ou pagar o que se recebe sem Foral.
20.º Que nos Foraes novos se lancem aquelles direitos que os Senhorios levam até agora por posse que conste de Escripturas e Tombos e Cartorios das Camaras e Casas de EI-Rei por cem annos, para lhe servir de Titulo, não havendo Foral, Doação ou Inquirição de Tombo.
21.º Todas as cousas que não poderem ser despachadas por estas declarações e determinações, se devem julgar conforme o Direito.
22.º Que nos bens da Ordem de Christo que antigamente foram dos Templarios, se julguem como doados por El-Rei, que d’elles foi Senhor por sentença.
23.º Que os Commendadores de Christo se devem julgar como quaesquer outros privilegiados.
24.º Que o Direito de Sacada se conserve aonde por Foral ou costume se usar dar carga, por carga, salvo nos portos de mar e terra, nos quaes haverá sempre sacada.
25.º Que nos logares aonde ha foro cerrado por todos os Direitos que o Rei devia receber, se deve guardar o privilegio de não pagar portagem, havendo posse immemorial, e que nenhuma inovação se deve fazer, posto que alguns logares por direito não deverão pagar portagens em outros.
26.º Nos logares aonde os Foros receberem crescimento pelas Libras novas, não se deve accrescentar mais do que agora pagam; mas quando as partes o requererem, se fará o que por direito e segundo o Regimento das Libras se deve observar.
27.º Que nos Foraes se lance o Capitulo da Ordenação de El-Rei Dom Fernando sobre o remedio para a declaração das demandas dos povos, do tomar do pão e outras cousas, as quaes se mandam dar por seus dinheiros.
28.º Que se lancem nos Foraes as palavras de privilegio de não serem dados os logares em vidas, para se confirmar na maneira que o tiverem, salvo nos logares que são dados às Ordens, ou Egrejas de muito tempo.
29.º Que nos Foraes novos se declare o tempo certo e limitado para a partilha das novidades, da mesma forma que se achar nos Foraes velhos e de que houver posse; e aonde não houver Foral se guardarão as vinte e quatro horas.
30.º Que aonde a Jugada se mudar em outavo, como em Santarem, serão destinados dois dias para a partilha das novidades.

Para efeitos da cobrança das taxas devidas pela sua elaboração, os forais novos foram logo na altura divididos em três grupos fundamentais, com algumas variantes dentro de cada grupo:

1. Forais a que servia de modelo o de Lisboa e Santarém:
 
a) lugares onde se pagavam direitos de água e/ou jugada ou equivalente (13 cruzados),
b) lugares onde se pagavam direitos de água mas não jugada (12 cruzados),
c) lugares onde se não pagavam direitos de água nem de pão (11 cruzados),
d) lugares que não tinham cerca ou muralha (10 cruzados),
e) lugares que não tinham cerca ou muralha e não pagavam direitos de água ou pão (8 cruzados);



2. Forais a que servia de modelo o de Évora:

f) lugares amuralhados ou acastelados (10 cruzados),
g) lugares chãos, i. e., não amuralhados ou acastelados (8 cruzados);


3. Forais a que servia de modelo o da Guarda:

– aplicava-se critério idêntico aos dos lugares que seguiam o modelo de Évora.
A elaboração dos forais passava por diversas fases: a primeira consistia na recolha dos forais antigos, e talvez seja essa a razão porque muitos deles se conservam actualmente no Arquivo Nacional da Torre do Tombo. Os concelhos deviam remeter todos os forais e documentos equivalentes que possuíssem à Comissão nomeada por D. Manuel. Além disso, naquelas localidade onde se cobravam portagens e outros direitos reais, sem que eles constassem de algum foral e documento escrito, as Câmaras, com os oficiais e homens bons, deviam reunir-se e fazer o escrivão da Câmara e um tabelião ou outra pessoa reduzi-los a escrito, enviando para Lisboa uma cópia, em conjunto com os forais e outros documentos equivalentes, conforme estipulava a carta de 22 de Novembro de 1497.

Para completar o trabalho de recolha, esclarecer as dúvidas entretanto levantadas e colmatar as falhas de informação, Fernão de Pina deslocou-se pessoalmente a vários lugares do reino, onde procedeu a inquirições in loco ou promoveu a sua realização por parte dos responsáveis concelhios. Com base no material assim recolhido, Fernão de Pina organizava os processos, que depois eram submetidos ao despacho da Comissão, constituída, como vimos, pelo Chanceler-mor, pelo Desembargador e pelo próprio Fernão de Pina. Os diversos artigos eram aprovados ou submetidos a modificações e acréscimos, rubricados pelos membros da Comissão, em ordem à elaboração do texto definitivo.

Passava-se então à redacção do texto final, a cargo do escrivão da Chancelaria e dos seus ajudantes, que, uma vez concluído, era conduzido pelo porteiro a casa do Chanceler, que o fazia selar na sua presença; daí era levado à casa do escrivão que neles lançava os respectivos custos.

Como esclarecia a já referida carta régia de 26 de Agosto de 1504, e conforme consta da parte final de cada um dos forais, estes eram elaborados em triplicado: um exemplar para câmara do respectivo concelho, outro para ficar no arquivo da Torre do Tombo e outro para a entidade que detinha o senhorio da terra.

Concluído o diploma, Fernão de Pina procedia ao seu registo no respectivo livro da Chancelaria e, em correspondência, a seguir ao texto de cada exemplar acrescentava a anotação “Registado no Tombo”.

Finalmente, os forais eram levados aos respectivos destinatários, e, em seguida, em cada uma das terras a que diziam respeito, procedia-se à última formalidade do processo: a “publicação”, necessária para que o documento adquirisse força de lei e todos fossem obrigados a acatá-lo.

Depois da publicação, podiam ser apresentados embargos, fundamentados com o vexame que resultaria para os povos. Esses embargos tinham de ser postos no prazo de quatro meses, para os forais já em vigor nos concelhos, ou de um mês, quando estavam pendentes em juízo contencioso. Em consequência, alguns forais contêm adendas que explicitam o seu conteúdo ou correspondem a reclamações apresentadas pelos destinatários.

A outorga dos chamados forais manuelinos inseriu-se num conjunto de medidas que se destinaram a uniformizar a administração do país com a publicação de leis gerais aplicáveis a todo o território, a esbater as diferenças e a ultrapassar os estatutos peculiares por que se regiam grupos e comunidades.

A evolução dos tempos desactualizara, como vimos, os antigos forais e outros documentos com que se governavam os povos, por não se adequarem as normas neles contidas às novas circunstâncias e até mesmo por causa da sua difícil inteligibilidade – devida principalmente à língua, o latim notarial, em que a maior parte deles tinham sido redigidos.

A publicação de leis gerais e, concretamente, de vários Regimentos, que culminaram com as Ordenações Manuelinas , levada a cabo por D. Manuel, constituiu, por conseguinte, um avanço importante na modernização do Estado, embora, por outro lado, se possa lamentar a perda de muitas especificidades regionais e, mais ainda, o abandono de alguns factores de correcção – como a maior leveza da carga fiscal – que favoreciam as comunidades do interior e da periferia em relação aos maiores centros urbanos do litoral.

A integração de todo o país numa só ordem jurídica foi uma das bases em assentou a centralização do poder que marcou o reinado de D. Manuel. À legislação publicada somaram-se outras reformas, nomeadamente a dos pesos e medidas e a dos tribunais superiores.

A unificação jurídica foi acompanhada pela reorganização fiscal. Uma vez que os antigos forais deixaram de servir para estabelecer os vários tributos a que estavam sujeitos os povos, tornava-se necessária a elaboração de normas que fixassem as importâncias a entregar ao fisco, em cada uma das localidades de todo o país. Foi essa a principal finalidade dos forais novos, ou forais manuelinos, que, no fundo, não são mais do que tabelas de contribuições a apagar ao Estado ou aos donatários a que, em certos momentos, circunstâncias e lugares, as localidades tinham sido concedidas em apanágio. No entanto, muitas vezes copiadas das disposições fiscais das antigas carta de foro, mantiveram-se, em grande parte, as normas tributárias próprias de cada terra, feita a devida actualização monetária.

Rondam as cinco centenas os forais novos, outorgados entre 1497 e 1520. Por ordem cronológica, Ponte de Lima foi a primeira localidade do Entre-Douro-e-Minho que recebeu o foral manuelino, que traz a data de 1 de Junho de 1511. Os forais de Viana, de Monção, de Valença e de Caminha são de 1 de Junho de 1512. No mesmo ano foram assinados também o de Arcos de Valdevez, no dia 12 de Junho, e Cerveira, no dia 20 de Outubro. Em 1513 sê-lo-iam os de Melgaço, Castro Laboreiro e Terra da Nóbrega. Apenas em 1514 viriam a público os de Souto de Rebordões, Penela de D. João de Castro, Lindoso e Soajo. Por fim, em 1515, teriam outorga os de Coura, Valdevez, Geraz, Santo Estêvão da Facha e Terra de S. Martinho.


Após a assinatura do texto final, elaboravam-se as versões definitivas do foral, que de seguida eram enviadas aos respectivos destinatários. Além dos concelhos a que diziam respeito, eram também ouvidos, quando existissem, os respectivos donatários. Assim aconteceria em Ponte de Lima, tendo o Visconde de Vila Nova de Cerveira, numa carta de 19 de Fevereiro de 1515, agradecido a Fernão de Pina o cuidado posto nos forais relativos às suas terras

* * *

No texto apresentam-se seguidos os diversos articulados, que aliás se repetem numa grande quantidade desses documentos. Há, no entanto, como já referimos, algumas cláusulas próprias, que se relacionam com os usos e costumes das localidades e com as actividades relacionadas com a implantação geográfica do município.

Em consequência, podemos distinguir neles três partes:

- a primeira parte contém disposições específicas, em grande parte correspondentes às normas do foral antigo;

. na segunda parte, que é a mais extensa, trata-se das portagens , isto é, das taxas a serem liquidadas por aquelas pessoas que, não sendo naturais, trouxessem produtos para aí vender ou aí os comprassem para levar para outras localidades; a este conjunto de artigos, idênticos aos de outros forais, somam-se algumas disposições específicas, por exemplo as que se relacionavam com a localização geográfica do município, especialmente quando este se situava na fronteira ou num porto de mar;

- na última parte incluem-se disposições de índole geral, como as que se referem ao que deve ser entendido como vizinhança (para efeitos de isenção ou de pagamento de impostos), e com a sanção a aplicar aos transgressores do diploma – a “pena do foral”.

Por vezes, acrescentam-se, em adenda, algumas disposições que resultaram da discussão pública a que foi submetido o foral, depois de elaborado, mas não é esse o caso de Ponte de Lima.

As normas contidas nos forais manuelinos mantiveram-se em vigor durante vários séculos – como atestam os numerosos e sucessivos vistos acrescentados pelos corregedores – e só perderam a validade com a reforma administrativa introduzida pelo liberalismo.

Como sabemos, os forais novos, em princípio, foram elaborados em triplicado: um exemplar para a câmara da localidade a que diziam respeito, um exemplar para os senhorios, no caso das terras concedidas a um donatário, e um exemplar para o arquivo da Torre do Tombo.

Perderam-se nos dois últimos séculos os forais manuelinos de muitas localidades, mas a maior parte dos concelhos ainda conserva o exemplar que lhe foi destinado e de alguns ainda existe mais do que um exemplar. Naqueles casos em que todas as cópias se perderam, há a possibilidade de recorrer aos Registos da Chancelaria, que reproduzem, em geral, toda a parte dispositiva dos diplomas, omitindo apenas o preâmbulo (e, eventualmente, a subscrição final).

Pelo que diz respeito a Ponte de Lima, o exemplar que se conhece pertence ao Município e pode ser consultado no Arquivo Municipal. Esteve em vigor até à reforma administrativa introduzida pelo regime liberal e, mais em concreto, até à reforma dos forais, embora o conteúdo de muitas cláusulas tivesse sido modificado e actualizado pela sucessiva legislação que, no decurso dos tempos, se foi publicando. Não é, por conseguinte, de estranhar que o compulsassem e nele averbassem esse facto, o que aconteceu pela primeira vez em 1612 e pela última em 1820.


António Matos Reis